domingo, 22 de março de 2009

Patativa do Assaré

Sinopse biográfica de Antônio Gonçalves da Silva (Assaré CE)
Freqüentou a escola por apenas quatro meses, em 1921, mas desde então vem "lidando com as letras", como ele mesmo afirmou. Agricultor, em 1922 já atuava como versejador em festas, e a partir de 1925, quando comprou uma viola, deu início à atividade de compositor, cantor e improvisador. Em 1926 teve um poema publicado no Correio do Ceará, mas seu primeiro livro, Inspiração Nordestina, seria lançado trinta anos depois, em 1956. Em 1978 publicou o livro Cante Lá que Eu Canto Cá, e em 1979 iniciou, com Poemas e Canções, a gravação de uma série de discos, entre os quais se destacam Canto Nordestino (1989) e 88 Anos de Poesia (1997). Seu último livro, Cordéis-Patativa do Assaré , é de 1999. A poesia de Patativa, que verseja em redondilhas e decassílabos, traduz uma visão de mundo "cabocla", muitas vezes nostálgica e desapontada com as mudanças trazidas pela modernidade e pela vida urbana. Sua obra aborda os valores e os ideais dos camponeses do interior do Ceará, em poemas que tematizam da reforma agrária ao cotidiano dos sertanejos cearenses.

Onde eu Nasci
"Foi em mil e novecentosE nove que eu vim ao mundo.Foi na serra de SantanaEm uma pobre choupana,Humilde e modesto lar.Foi ali onde eu nasciE a cinco de março viOs raios da luz solar.Foi ali que fui crescendoFui lendo e fui aprendendoNo livro da naturezaOnde Deus é mais visívelO coração mais sensívelE a vida tem mais pureza.Com setenta anos de idadeO destino me fez guerraFui residir na cidadeDeixando a querida serraMinha serra pequenina.Mas um galo de campinaDe trazer não me esqueciPorque neste passarinhoEstou vendo um pedacinhoLá do sítio onde eu nasci."

Brasi de cima e Brasi de baxo (Cante lá que eu canto cá)
Meu compadre Zé Fulô,Meu amigo e companhêro,Quage um ano que eu touNeste Rio de Janêro;Eu saí do CaririMaginando que isto aquiEra uma terra de sorte,Mas fique sabendo tuQue a miséra aqui no SuÉ a mesma do NorteTudo o que procuro acho.Eu pude vê neste crima,Que tem o Brasi de baxoE tem o Brasi de CimaBrasi de Baxo, coitado!É um pobre abandonado;O de cima tem cartaz,Um do ôtro é bem deferente:Brasi de Cima é pra frente,Brasi de Baxo é pra trásAqui no Brasi de Cima,Não há dô nem indigença,Reina o mais soave crimaDe riqueza e de opulença;Só se fala de progresso,Riqueza e novo processoDe grandeza e produção.Porém, no Brasil de BaxoSofre a feme e sofre o machoA mais dura privação.
Tico - Tico
Fico muito triste, muito triste fico
Quando triste penso no meu tico-tico
Porque de alimento eu não tinha um tico
E o pobre com fome, quando abria o bico
Eu tinha vontade de ser muito rico
Para não ver sofrendo o meu tico-tico.
Ate que uma noite ouvi um fuxico
Quando olhei pra perto do pilão de angico
Vi o gato preto do seu Manuel Chico
Rosnando e comendo o meu tico-tico.

O Burro
Vai ele a trote, pelo chão da serra, Com a vista espantada e penetrante, E ninguém nota em seu marchar volante, A estupidez que este animal encerra. Muitas vezes, manhoso, ele se emperra, Sem dar uma passada para diante, Outras vezes, pinota, revoltante, E sacode o seu dono sobre a terra. Mas contudo! Este bruto sem noção, Que é capaz de fazer uma traição, A quem quer que lhe venha na defesa, É mais manso e tem mais inteligência Do que o sábio que trata de ciência E não crê no Senhor da Natureza.

O Peixe

Tendo por berço o lago cristalino, Folga o peixe, a nadar todo inocente, Medo ou receio do porvir não sente, Pois vive incauto do fatal destino. Se na ponta de um fio longo e fino A isca avista, ferra-a insconsciente, Ficando o pobre peixe de repente, Preso ao anzol do pescador ladino. O camponês, também, do nosso Estado, Ante a campanha eleitoral, coitado! Daquele peixe tem a mesma sorte. Antes do pleito, festa, riso e gosto, Depois do pleito, imposto e mais imposto. Pobre matuto do sertão do Norte!

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